Como hoje não tem tênis em Wimbledon e vários dos leitores desconhecem a existência do “Domingo do Meio”, uma instituição tenistica existente somente em Wimbledon, publico abaixo trechos de duas de minhas colunas antigas, em época em que eu frequentava o evento, que joga alguma luz sobre o fato. A primeira foi escrita em 2001. A segunda foi escrita em 2004 e conta a exceção à regra.
Em Wimbledon existe uma evidente separação entre a primeira e a segunda semana do torneio. Para deixá-la mais óbvia, o Domingo é um dia sem jogos. Nenhuma razão é oferecida, alem daquela dada pela organização do torneio, com ligeira impaciência, que sempre foi assim e assim sempre será . O Domingo é o dia em que os perdedores almoçam em casa e os sobreviventes treinam sonhando até onde vão chegar.
Na cabeça dos jogadores é bem claro o conceito de chegar, ou não, à segunda semana. Estar nela já é uma conquista em si. Essa divisão é a única razão, na minha cabeça, para não se jogar no Domingo, algo só feito em Wimbledon. Acho o fato horrível, já que coloca uma pressão a mais no “schedule” dos jogos, que já é estressante pelas chuvas. Fora que é um belo dia para o público.
Outro fato me vêm à mente sobre as duas semanas de Wimbledon. A primeira semana sempre foi a minha favorita em Roland Garros, onde se pode assistir partidas de altíssima qualidade. Já em Londres é o oposto. As melhores partidas acontecem mesmo na segunda semana, quando os favoritos começam a se encontrar. O saibro é um piso muito mais democrático, em termos da qualidade do tênis jogado, do que a grama. Esta exige um “know-how” mais específico. Se o tenista não sabe jogar na grama, acaba fazendo o papel de bobo e se sentindo como tal.
Na segunda semana de Wimbledon, as partidas concentram-se nas quadras principais. As secundárias passam a ser usadas pelos juvenis e os veteranos. O evento juvenil, que é disputado desde 1947, é oficial e tem suas inscrições por mérito. O dos veteranos é um evento por convites. Entre os garotos já tivemos dois finalistas. O paranaense Ivo Ribeiro em 1957 e o carioca Ronald Barnes, o brasileiro com o tênis mais bonito e vistoso que já pegou numa raquete, em 1959. Quem me lembra o seu estilo é o suiço Roger Federer, tenista que é um prazer assistir. Entre as mulheres tivemos Vera Lúcia Cleto, chegando à semifinal em 1965.
Os eventos dos veteranos, todos eles de duplas, que vão estar assombrando as quadras na segunda semana, são divididos em acima de 35 e 45 anos para os homens e acima de 35 para as mulheres. Nos acima de 45 dos homens vale qualquer coisa e é uma ótima oportunidade de ver legendas do passado.
Um charmoso evento que deixou de ser disputado na segunda semana é o “Plate”. Ele aceitava os perdedores das três primeiras rodadas das simples em um novo evento. Também oferecia um pequeno prêmio em dinheiro e era uma boa opção para os tenistas que queriam um pouco mais de competição e “know how” da grama, ao invés de sair correndo para casa.
Mas foi extinto em 1981 entre os homens e 1989 entre as mulheres. O tênis chegara a outra geração que não jogava mais o esporte simplesmente por amor. Atualmente, o primeiro telefonema dos tenistas, após uma derrota é para a companhia aérea. A idéia é cair fora o mais rápido possível.
Entre os brasileiros, foram finalistas os paulistas Armando Vieira, que chegou às quartas de final da chave principal, em 1954, e a paulista Claudia Monteiro em 1982. O gaúcho Thomas Koch venceu o “Plate” em 1969 e 1975, mostrando que tinha um estilo que se adaptava bem à grama.
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Graças a sua tradição, provavelmente o evento esportivo anual mais antigo do mundo, Wimbledon manteve a sua áurea. Essa mesma tradição, que manteve o piso na grama enquanto os outros torneios se refugiaram em pisos menos nobres, por vezes beira a teimosia e por vezes é incompreensível para quem o visita, ou mesmo para quem nele joga. Os tenistas sempre tiveram com o evento uma relação de amor e ódio – ou se ama ou se odeia. Uma das peculiaridades deste campeonato de duas semanas é o fato de não haver jogos no Domingo do meio. O porque ninguém explica. Se perguntados, os organizadores afirmam, com ligeira impaciência , que sempre foi assim e assim será.
Não se trata de uma questão religiosa, pois a final masculina, momento máximo do torneio, é jogada no segundo Domingo. Mas em 1991, foram obrigados a ceder, pela primeira vez, na teimosia. Caiu muita chuva na primeira semana e o torneio prometia naufragar. Em 1997, repetiu-se o fato. Como na semana passada a chuva voltou a fustigar Londres, mais uma vez, de mau humor, os organizadores cederam.
Não existem ingressos para esse dia, assim como não há nenhuma infra-estrutura e logística para o mesmo – é hora do improviso. Da mesma maneira em que são bons na organização, os ingleses pecam no jogo de cintura. Como já estamos na terceira vez, estão aprendendo. Nas duas primeiras vezes abriram as bilheterias uma hora antes do início dos jogos, para um publico de 28 mil pessoas. O pessoal ficou horas numa fila única, atingindo mais de 4 quilômetros. Ontem abriram as bilheterias duas horas antes dos jogos. A fila caiu para a metade! Mas de uma hora depois de os jogos começarem, dei uma volta pelo clube e nem parecia que havia um campeonato acontecendo. As quadras secundárias estavam vazias, já que os primeiros 11 mil que entraram, correram para a Quadra Central. E as seguintes 10 mil para a Quadra 1.
A venda dos ingressos, e a conseqüente mudança do perfil do publico, fez com que a imprensa inglesa alcunhasse o dia como o Domingo do Povo. Como o sistema vigente de vendas de ingresso, obedece a critérios não muitos transparentes por partes dos organizadores, as entradas estão sempre na mão de uma elite ou então de pessoas dispostas a pagar uma fortuna no mercado paralelo. No Domingo do Povo quem chega primeiro é atendido primeiro. Por isso as filas, e por isso a presença de um público com mais cara de povão. Normalmente o pessoal da Quadra Central veste ternos e aplaude com parcimônia. No Domingo do Povo há pessoas com bermudas e aplaudindo com paixão. Os tenistas são unânimes em afirmar que adoram. É lógico, existe vida nas arquibancadas. Os sócios do All England Club torcem os empinados narizes enquanto ajustam a gravata.