espírito ou circunstâncias?
Maria: exemplo de espirito ou circustâncias?
O que os campeões do Aberto da Austrália têm em comum? Segundo eles mesmos, uma infância de dificuldades pelo momento que os países de origem de ambos passaram. Maria Sharapova deixou a mãe e uma caótica Rússia aos 7 anos para viver com o pai nos EUA. Novak Djokovic deixou a Sérvia e a família para viver na Academia de Niki Pilic tenista iugoslavo que foi capitão da equipe da Davis da Alemanha e esteve no confronto do Rio de Janeiro aos 12 anos. O menino já mostrava uma grande vontade de jogar e a Sérvia vivia um momento doloroso. A idéia do mandar o garoto explorar seu talento em um país mais seguro equilibrava a dor do afastamento, e suas dificuldades inerentes, para uma família dona de uma modesta pizzaria. Ana Ivanovic passou por dificuldades semelhantes treinava em uma piscina vazia e ia até a Hungria e a Suíça em longas viagens de ônibus para competir. Hoje a sérvia mora em Basel, onde nasceu Roger Federer.
Djokovic afirma que é uma questão de “sorte”. “Alguns têm a vida mais fácil. ‘That’s life’. Outros têm que passar por maiores dificuldades. Foi assim comigo, com Maria, Ana, Jelena e as irmãs Williams. Todas grandes batalhadoras. Sabem apreciar o sucesso e a cada vez que entram em quadra vocês podem ver a energia e as emoções. E ninguém brinca com elas. Eu mesmo jogo com muitas emoções algumas positivas outras negativas. Sei o quanto significa estar ali na quadra, vencendo. E acredito que a nossa força mental, pela nossa vivência, é algo especial”.
Alguns lembram que as irmãs Williams e Sharapova intimidam suas adversárias com suas atitudes em quadra. Maria diz “não me importo se é intimidação ou não. Eu tomo conto do meu pedaço e o importante é o quanto você acredita quando está em quadra. Eu acredito em mim e sei que posso jogar um grande tênis e ainda melhorar”. Parecem palavras de alguém recém-saído de uma palestra de auto-ajuda. Na verdade, são crenças de quem, apesar da idade, viveu momentos difíceis, foi atrás do seu destino, não ficou choramingando pelo caminho, não buscou uma série de desculpas para amparar o fracasso, não teve medo de encarar as dificuldades, sabe apreciar o que conquistou e não tem a menor culpa de conviver com o sucesso e seus benefícios.
Outras tenistas russas têm histórias semelhantes. O croata Ljubicic teve que rastejar pelas florestas para escapar da guerra e foi morar na Itália. Ljubicic, por um tempo, dividiu o técnico com o sérvio Djokovic, cujo pai é sérvio e a mãe croata, um casamento inflamável nos tempos atuais. Marat Safin foi viver na Espanha aos 12 anos, enviado pela mãe, uma das técnicas de tênis mais conhecidas na Rússia. A quarta semifinalista do AO, a eslovaca Hantuchova, também veio de um país dividido e uma história de dificuldades. m pouco diferente, mas não muito, David Farrer, 6º do mundo, abandonou a carreira quando levou algumas duras a mais do técnico e foi ser pedreiro. Voltou humilde e lutando como poucos após “conhecer” o outro lado.
Abaixo do equador a história, de alguma maneira, se repete. Os argentinos desta geração cresceram em um país empobrecido, onde era difícil arrumar um emprego e, com o “curralito”, dinheiro. Viraram arrimo da família e sabiam bem as dificuldades dos que ficavam na Argentina e não tinham a oportunidade de ganhar em dólares. Além do que, argentino sempre foi brigador, em quadra ou em campo.
Antes que o leitor tire conclusões precipitadas, menciono a brincadeira favorita de Michael Joyce, rebatedor oficial de Maria e cuja mãe a tenista mencionou a morte na entrega do prêmio na Austrália. Ele gosta de brincar com Maria e Yuri que eles, e sua história, ainda arruinarão a vida de muitas famílias que possam acreditar que suas histórias de sucesso é algo fácil de reproduzir. Além disso, Roger Federer e Rafael Nadal são de famílias bem de vida. Luiz Mattar, Cássio Motta, Thomas Koch, Jaime Oncins, Carlos Kirmayr, Fernando Meligeni e Gustavo Kuerten também vieram de famílias e passados equilibrados. Às vezes modestos, mas nunca com dramas.
São histórias, realidades, circunstâncias e personalidades diferentes. Não sei se um formato tem mais chances do que outro. A adversidade sempre foi um bom fertilizante de caráter. Mas, acima de todas as circunstâncias, impera a personalidade e o espírito humano. Como a ambigüidade parece pairar acima de todas as coisas, lembro uma frase do refinado burguês Marcel Proust, um dos maiores escritores da história, apesar da infância abastada e protegida ”A felicidade é benéfica ao corpo, mas é a aflição que desenvolve os poderes do espírito”. Outras avaliações e comentários eu deixo aos leitores.
o autor de ‘Em busca do tempo perdido’